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Entrevista : João Portugal Ramos, ícone mundial da enologia

Entrevista exclusiva com João Portugal Ramos, ícone mundial da enologia

                                      João Portugal Ramos

Desde 2007, juntamente com o também enólogo José Maria Soares Franco, possui o projeto Duorum, uma parceria vinícola exclusivamente dedicada ao Douro. A vinícola já foi eleita o melhor projeto europeu de gestão de biodiversidade, paisagem e espaço rural. Nesta entrevista exclusiva, o enólogo fala sobre a sua trajetória no mundo dos vinhos, da alegria de ter a família trabalhando em conjunto, sobre suas perspectivas para o mercado mundial do segmento e as expectativas para a safra 2020. Confira!

Qual a sua análise sobre o cenário atual dos vinhos mundialmente?

JPR: Estou otimista. O consumo mundialmente está estável, mas em Portugal as vendas continuam aumentando devido ao reconhecimento internacional do país. Tal deve-se, claro, ao trabalho diário dos produtores, das comissões e organizações vínicas nesse sentido. Mas não só. A forma como o nosso sucesso internacional deve ser medido, parte da forma como Portugal, como um todo, é percebido. E para isso, muito tem contribuído a crescente exposição que o resto do mundo tem tido a Portugal nos últimos anos – seja pelo turismo, seja pela segurança, pela riqueza gastronômica, ou até pelo futebol! Toda esta crescente exposição tem permitido levar as nossas marcas além-fronteiras, como reflexo daquilo que de bom se faz em Portugal.

Há ainda que realçar o facto de novas potências mundiais estarem a começar a produzir vinho, como é o caso da China, que já tem a segunda maior área de vinha mundial. Algo que pode ser visto como uma ameaça, mas que eu vejo como uma oportunidade já que gera uma imensidão de novos consumidores.

Analisando a sua vinícola desde o início, a que você atribui o crescimento e o reconhecimento internacional?

JPR: À experiência de vários anos e vários vinhos, aliada a elevados padrões de qualidade. Independentemente dos volumes, a qualidade é sempre a prioridade número um nesta casa. Eu acredito que atingimos uma excelente qualidade dos nossos vinhos quando olhamos para todos os pequenos detalhes. Costumo dizer que um grande vinho é a soma de muitos pequenos pormenores e que nenhum pode ser descurado. É claro que também tive a sorte de “estar no sítio certo à hora certa” quando, no final da década de 80, iniciei no Alentejo o meu projeto pessoal. A concorrência era menor e havia muito a fazer pela região.

Também analisando sua caminhada no mundo dos vinhos, quais as mudanças mais significativas que o senhor percebe no gosto do consumidor e como o senhor se adaptou como enólogo a essas novas realidades?

JPR: Os nossos vinhos têm que agradar o consumidor, pois só assim geramos repetição da compra. Para tal, nos vinhos de maior produção, sou cada vez mais sensível em adaptá-los ao estilo que o consumidor procura, sem nunca perder as origens desse mesmo vinho. Nos vinhos de gama superior continuo a não prescindir do meu estilo.

Qual o grande encantamento em ser enólogo?

JPR:É uma atividade apaixonante! Embora tradicional, o sector dos vinhos é muito inovador e dinâmico. Todos os anos temos desafios novos já que, devido às condições que a mãe natureza nos oferece safra após safra, temos que nos saber adaptar. E, claro, tem um nível elevado de exigência já que concorremos com vinhos de todo o mundo. Mas o que mais me apaixona neste negócio é, sem dúvida, este caracter familiar, único, geracional. Passar conhecimentos, técnicas, “truques” de geração em geração. Ver os filhos agarrarem o desafio com o mesmo entusiasmo que eu…

O João Maria segue seu caminho no mundo dos vinhos. Qual o significado de ter a nova geração junto aos negócios da família?

JPR: Já não é só o João Maria, que desde 2014 me ajuda em toda a enologia! Hoje, tenho também a minha filha mais velha, a Filipa, responsável pelo marketing do Grupo. E, mais recentemente, a minha filha Teresa fez um estágio conosco, no controle de gestão. É uma sensação de dever cumprido: ter os meus filhos, a segunda geração, envolvida e empenhada na continuidade deste projeto ao qual dediquei toda a minha vida.

JPR e filhos

                                   JPR e filhos

O Senhor foi o “desbravador” do Alentejo, contribuindo para colocar a região em destaque no mundo dos vinhos. Qual o grande diferencial da região e dos vinhos produzidos nela?

JPR: Sendo que o Alentejo representa um terço da área de Portugal, encontramos aqui uma enorme diversidade de terroirs! Vinhas perto do mar, vinhas a 900 metros de altitude, vinhas de solo calcário, vinhas de solo argiloso… Numa só região vitivinícola, estão reunidas todas as condições para a criação de vinhos verdadeiramente diferentes entre si. Por isso a nós, enólogos, o Alentejo oferece uma imensidão de possibilidades e de espaço criativo, sendo uma região muito fiel e com consistência na qualidade ano após ano.

Cada vez mais há preocupação em relação à sustentabilidade na produção dos vinhos e o senhor se destaca neste cenário, tanto na JPR quanto na Duorum. Desde quando começou essa atenção reforçada sobre sustentabilidade e o que mudou na elaboração e no resultado dos vinhos?

JPR: Digo sempre que, antes de ser enólogo, sou agrônomo. E como agrônomo que sou, desde o começo da minha atividade que tenho plena consciência que só através de uma exploração sustentável é possível continuarmos a fazer vinho, em Portugal e no mundo, por muitos mais anos. Creio que fui bem sucedido em passar esta preocupação a todos os que trabalham comigo e, hoje, todo o Grupo João Portugal Ramos tem este compromisso sério e duradouro com a natureza e a sua biodiversidade. Toda a equipe está empenhada em produzir vinhos de elevada qualidade com o menor impacto possível nos ecossistemas e habitats circundantes.

Mais intensamente na última década, desenvolvemos um modelo de gestão que respeita a biodiversidade, permitindo a preservação e melhoria dos habitats naturais nos seus terrenos. Adotamos políticas e medidas de desenvolvimento sustentável, incluindo a produção integrada e produção biológica nas nossas vinhas, a proteção de espécies em vias de extinção, a utilização otimizada de águas nas vinhas, uma escolha criteriosa dos materiais usados nos nossos produtos e um programa de responsabilidade social com todos os que nos rodeiam a nível social, econômico e ambiental. Este ano ainda vamos instalar os nossos primeiros painéis solares em Estremoz. Um passo importante, que permitirá ao Grupo tornar verde 1/3 de toda a sua energia. Vamos ainda duplicar a área de vinha biológica que temos: na região do Alentejo, a empresa vindimará este ano mais 28 hectares de uvas biológicas, incluindo as suas primeiras uvas brancas biológicas; e no Douro, também surgem este ano os primeiros 6 hectares de vinhas biológicas.

Estremoz

                                    Estremoz

Dentro do seu portfólio de vinhos, o que o senhor gosta de degustar no dia a dia e em ocasiões especiais?

JPR: No dia a dia, para além de vinhos como Marquês de Borba, Duorum, Quinta Foz de Arouce e Pouca Roupa, que é perfeito para dias mais quentes como os de agora, gosto muito de provar também os vinhos de outros produtores. Nas ocasiões especiais, o Marquês de Borba Reserva tem sempre um lugar especial. Também me dá muito gosto provar safras antigas dos meus vinhos.

O senhor poderia contar um pouco sobre como começou a sua relação com os vinhos, porque foi estudar para ser enólogo, consultor até começar seu próprio negócio?

JPR: Passei uma grande parte da minha infância entre vinhas e vinhos. A família da minha mãe tinha uma quinta perto de Lisboa. E, desde cedo, que comecei a ir às vinhas com o meu avô materno e à adega provar os vinhos de produção própria da Quinta. Desenvolvi um tal gosto pela área que, éramos 6 irmãos, mas era a mim que o meu pai e a minha mãe pediam para escolher o vinho que se bebia em nossa casa. O gosto foi crescendo ano após ano e, quando tive que escolher o meu caminho acadêmico, fui para agronomia e especializei-me em agroindustrial (vinhos, azeites…) justamente com o propósito de, um dia, assumir a produção de vinho da Quinta da família. Veio a revolução em Portugal, os meus avós vendem a Quinta e é assim que vou parar ao Alentejo, onde me foi oferecido o meu primeiro emprego. Apaixonei-me pela região e nunca mais daqui saí! Uma pequena curiosidade: sou daltônico. E dizem que quando um sentido é afetado, os outros tendem a se desenvolverem mais intensamente. No meu caso foi o nariz. Escolho tudo, até roupa, através do olfato (risos).

O que podemos esperar da safra 2020, tanto da JPR quanto da Duorum?

JPR: 2020 foi um ano de desafios. E o setor vitícola não foi exceção. Tivemos de tudo: muita chuva concentrada, muito calor, tempo incerto durante as vindimas e até alguns desafios a nível de equipe devido às rotatividades que a situação pandêmica exigiu. Com tudo isto, 2020 será mesmo assim um ano bom com vinhos concentrados, embora, talvez, com menos longevidade que em alguns anos anteriores.

Vindimas

“BEBA COM MODERAÇÃO”

Por Porto a Porto

para Guia da Gastronomia e do Vinho G1

Porto a Porto

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